Produções artísticas da edição atual. Para mais, verificar ˜Edições”

Melissa Baltazar[1]

[1] Nascida em Curitiba-PR, em 1979, vive e trabalha em São Paulo. Suas pinturas são um meio de explorar experiências e memórias que se conectam com a construção, desconstrução e reconstrução do que é ser mulher através do tempo.



depoimento

Em minha prática, processos de diálogo e colaboração se intercalam com a produção de narrativas autoficcionais e misturam intimidade e exibição. A palavra e o desenho são meios recorrentes de reorganizar um arquivo que se tensiona entre o potencial criativo e o fingimento em potencial. Me interessa repensar como aprendemos a ser, apostando no desvio e na ambiguidade como possibilidades de estar no mundo.

Nos últimos anos, tenho me debruçado sobre uma infância transviada que escapa dos processos de pedagogização nublando os contornos entre humano e não-humano. Por meio de pinturas, desenhos e objetos, venho elaborando uma coleção constelar de seres que brilham nesta criança-mítica em sua fluidez e abertura às metamorfoses. Criaturas que deslizam no fio da navalha, brincam com os limites, os bichos e os binários, inventam corpos, códigos e linguagens, tendo a fantasia como um modo de existências múltiplas.


Trabalho 1 – Ecdise (2020) da série de pinturas Troca de Pele

Gouache em tela de algodão / 1,20m x 1mMelissa Baltazar

O atributo alt desta imagem está vazio. O nome do arquivo é ecdise.jpg

“A transformação do olhar sobre si dá origem a lugares nos quais o acolhimento e o cuidado vêm da valorização e da confiança no próprio processo. Ecdise é o processo de eliminação do exoesqueleto em animais que apresentam esse tipo de crescimento, como as aranhas. Abandonar a própria carcaça, saindo dela um novo ser. Metamorfoses monstruosas, similares à dança e ao transe. Nas tarântulas vermelhas representadas na imagem, este fenômeno acontece logo após as estações de seca, para em seguida entrarem em sua fase reprodutiva. Não existe aqui uma oposição entre humano e inumano, mas sim uma associação, uma sintonia entre seres que tecem a vida com a matéria das próprias entranhas e, por outro lado, enredam, aprisionam e matam. A gestualidade das mãos, a gentileza com que embalam o novo ser e afagam os cabelos, assim como os semblantes dos rostos indicam o cuidado dedicado a este momento. O olhar dessa vez está deslocado para o ser não humano, enquanto as figuras humanas permanecem de olhos fechados. A série Troca de Pele elabora potências de cura para as violências diárias perpetradas contra corpos femininos ou feminizados.” (Trecho do texto ‘’Troca de Pele’’, de Thais Lopes – educadora, pesquisadora e mestranda em Artes pelo Programa Interunidades em Estética e História da Arte, vinculado ao Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo – para a exposição ‘’Troca de Pele’’ realizada em junho de 2022, no Galpão Cru, São Paulo, realizada pelo coletivo Som e Movimento.)


Trabalho 2 – Corte seco (2023) da série de pinturas Amor é Risco

Óleo em tela de cetim / 30cm x 30cm | Melissa Baltazar

“De corpos humanos inteiros, mãos, pés e olhos ganham o foco, figurando com outros objetos sobre o fundo preenchido pelo brilho do cetim. Aqui, fica evidente o prazer inerente ao fazer pictórico de Melissa: há uma profusão de texturas, como nas escamas de uma cobra, em um figo cortado ou um pedaço de carne crua; de brilhos, que sobrepõem o tecido e se fazem com tinta na lâmina de uma faca, nas pérolas de um colar ou no salto pontiagudo de um sapato; e de vermelhos, que contrastam com a alvura das peles e aparecem no esmalte onipresente, em objetos como uma vela, uma caixa de fósforo ou em um resquício de batom em um bituca de cigarro… Em síntese, Melissa Baltazar empreende uma nova elaboração pictórica da força vital das mulheres. Suas obras mobilizam elementos míticos da cultura ocidental para enfrentar as formas de opressão que condicionam a experiência social feminina sob o capitalismo. Da necessidade de ficar viva e se reinventar, a artista conseguiu criar imagens que dão a ver o poder que reside dentro das mulheres, mas também de todos os corpos subalternizados. Poder esse que é, ao mesmo tempo, singular e plural, que se constitui no contato e na partilha. Poder que é risco, aposta e metamorfose. Eros, como essa força vital, é a energia para mudanças genuínas em nosso mundo convocada por Melissa.” (Trechos do texto ‘’O Prazer de Pintar ”, de Bruna Fernanda – educadora, curadora e pesquisadora em história da arte e gênero, mestranda no Instituto de Estudos Brasileiros da USP) – sobre a minha pesquisa artística.)

Trabalhos 3 – Série Procura-se (2024-25)

Óleo em cetim / Aprox. 2m x 1,50m

“Procura-se” é uma série de pinturas onde retrato mulheres artistas cuja as pesquisas estão diretamente ligadas ao questionamento de quem são esses corpos e que espaços eles ocupam ou podem ocupar. Minha pesquisa artística acontece com mulheres em sua pluralidade (cis, trans, pessoas não binárias) a partir das pessoas ao redor e da rede estendida pelo coletivo Vozes Agudas, da qual faço parte. Esse coletivo é composto por mulheres de diversas idades entre artistas, pesquisadoras ou curadoras que atuam ampliando o debate e a reflexão sobre desigualdade de gênero, raça e sexualidade em diversas cenas da arte no Brasil e na América Latina. Juliana R (artista performática), Ike Ramos (escultora e performer), Erika Araújo (dj e colagista) e um autorretrato. As pinturas foram criadas após uma conversa/escuta com essas pessoas próximas sobre suas vidas, pesquisas artísticas e coleta de imagens (vídeos e fotos). Também falamos sobre os papéis de gênero, bem como elementos simbólicos importantes para cada uma. Com esse material, as pinturas foram produzidas com tinta a óleo sobre cetim, tamanho aproximado 2 metros x 1,5 metros, como grandes bandeiras homenageando e dando visibilidade a essas pessoas.


3.1 – Atiradora de facas (2024)

Óleo em cetim / 2m x 1,50m

Uma das artistas retratada em bandeiras, Erica Araújo é pessoa preta e queer. Erikat (seu nome artístico) é colagista e DJ. A atiradora de facas subverte o lugar da mulher ao torná-la um elemento da ação, bem diferente do circo onde o homem é o atirador e outras pessoas são os alvos. É representada a borboleta negra Parides burchelanus, espécie brasileira rara em que macho e fêmea são muito parecidos, sendo a fêmea com escamas odoríferas ao longo da espinha dorsal. (https://www.instagram.com/eri.kat)


3.2 Frágil (2024)

Óleo em cetim / 2m x 1,55m

Terceire artiste retratade na série, Ike Ramos, performer e artista visual não-binárie. Seu trabalho questiona as formas da vida cotidiana e as consequências da interação entre indivíduo e objeto na construção de identidades e de suas performances sociais. Nesta pintura, elu carrega uma de suas esculturas, um halter com pregos soldados. Como elemento simbólico, a flecha, que já fez parte de sua prática de arco e flecha, sinaliza foco e concentração necessário nas lutas diárias. (https:/www.instagram.com/lique.feito/)

3.3 – As cobras são praticamente surdas (2025)

Óleo em cetim / 2m x 1,50m

Autorretrato, mais uma vez com o circo como alegoria, trazendo a encantadora de serpentes como subversão de posição. Para além das artes circenses, o encantador de serpentes é uma profissão essencialmente exercida por homens na Ásia, passada de pai para filho. Quanto ao espetáculo, as cobras têm uma audição muito precária e a sua “dança” está ligada à sua percepção do movimento.


Samba da Lélia: retratos de uma costura filosófico-musical | Pietra Sábia[2]

O Samba enredo “Samba da Lélia” foi produzido por estudantes da disciplina de Filosofia Geral III oferecida pela professora Tessa de Moura Lacerda no primeiro semestre de 2025. A música foi composta coletivamente e o vídeo documental apresenta o processo de criação, de gravação e fundamentação da canção. As pessoas que participaram deste processo foram: Adonis Aries dos Santos, Ana Luiza Alcântara, Angie Fernov, Clara Pittelkow Liegel, Dahrana Monteiro Gonçalves, Daniel Montanini, Félix Konrad Heib, Flávio Henrique de Magalhães Paulino, Flora de Oliveira, Guilherme Guerra, Gustavo Toschi Picinini, Helena Maria Silva do Nascimento, Jhennifer Rodrigues, João Marcos Pereira Ferreira Pinheiro, João Eduardo Cruz da Silva, Letícia Soares Fumes, Lucas Miagushiko Martins, Manuela Brasilino da Costa, Marcio Gustavo de Lima Silva, Maria Luísa Merquides Avila, Maurício Serrano Goy Villar, Núbia Fernandes de Moraes, Pedro de Angelis Corrêa, Pietra Sábia dos Santos, Rocio Infante Ponce de León, Rosa Pezato, Paes Manso, Thiago Ribeiro Caetano da Silva, Vinícius Silva Lopes, Vitor Nicolau Palomo Garcia, Waleska Francisco, Wenid Gabriel de Almeida Queiroz, Wolfgang Walter Schulze.

[2] Graduanda em Filosofia pela Universidade de São Paulo e em Jornalismo pela Faculdade Cásper Líbero. Possui curso técnico em teatro pelo Teatro Escola Macunaíma, participa do núcleo editorial da Revista Nós, pesquisa temporalidade em Merleau-Ponty e integra o PET – Filosofia USP.